Queridos leitores, a história que vocês irão acompanhar agora, narra o dia a dia de muitos professores, no Brasil, e não diferente aqui em Senhor do Bonfim, como também narra o dia a dia de pessoas que são colocadas em locais errados para exerceram funções que lidam diretamente com vidas.
Trata-se da luta travada todos os dias por professores em Senhor do Bonfim de modo especial, aqueles que labutam na zona rural, que chegam a ser confundidos com “jacas, mangas, batatas”, pela forma narrada por um professor que prefere não ter seu nome revelado por medo de represálias, e atendendo a seu pedido assumimos a responsabilidade das palavras escritas, até mesmo porque em momento algum foi citado nome de ninguém. Pelo o que podemos perceber o objetivo deste desabafo, é tão somente para que os responsáveis por determinados serviços passem a dar mais formação humana para o tipo de profissão exercida por um homem que se transveste de motorista no transporte público de ensino em Senhor do Bonfim.
Acompanhem...
Diário de um professor
30 de Março de 2015
Tinha feito planos para hoje: Dedicar-me ao estudo da Bíblia, começar minha rotina diária de atividade física e realizar minhas atividades como professor com ainda mais afinco, apesar de estar um pouco desanimado com a situação da educação pública no país.
Tudo corria bem até chegar à sala de aula e me deparar com uma série de problemas relacionados à educação familiar dos alunos.
Cumpridas essas tarefas, voltava para casa mais tranquilo, pois poderia descansar e me preparar para a jornada do dia seguinte, porém, depois de ministrar três aulas seguidas e auxiliar na ornamentação da escola para a Páscoa, sem ter um tempo sequer para ir ao banheiro ou beber água, aviso aos meus colegas de trabalho, logo após a chegada do transporte escolar, que avisassem ao motorista que eu iria ao banheiro e retornaria em seguida para o ônibus. Depois do aviso, em menos de um minuto, ao me aproximar do portão da escola, vejo o ônibus dar uma arrancada brusca, como se fosse um carro de corrida. Não estranhei, pois isso não era incomum, sendo que algumas vezes fui deixado para trás na comunidade da zona rural onde trabalho porque o motorista não poderia me esperar nem alguns segundos. Mesmo assim gritei na esperança que o motorista me ouvisse, o que nem seria necessário, pois meus colegas professores e meus alunos já o tinham alertado que ainda havia um professor na escola.
Todos que estavam no ônibus e os alunos que voltavam para suas casas a pé gritavam para que o motorista parasse. Então, movido pela ação daqueles que lhe pediam para parar, pressionado, o motorista cede aos apelos e me aguarda muito depois da escola.
Enquanto caminhava em direção ao transporte alguns alunos me pediam para correr, mas os alertei de que isso não era necessário, pois o motorista deveria me esperar e lembrei-lhes que quem corria atrás de um veículo para ganhar a vida era outro profissional, não eu que sou professor.
Ao entrar no ônibus pude me deparar com aquela figura inapta ao cargo que exercia, acostumada a impor sua autoridade incabida sobre alunos e professores e lhe questionei: "O que é isso motorista?" E este me respondeu de forma rude que o horário de saída era às 11h20min, sendo que as ultimas aulas deveriam encerrar as 11h45min, mas devido a carga horária puxada de 40 horas do professor público de zona rural que tem que almoçar às pressas e retornar à tarde para trabalhar e aos alunos que moram em diversas localidades, os mesmos são liberados 11:20. Por conta dessa prática imposta por alguns motoristas, nós, os professores não podemos preparar uma aula diferenciada nos últimos horários, pois enquanto desmontamos os equipamentos utilizados em classe ou organizamos os materiais da escola, corremos o risco de sermos abandonados na localidade. Como já ocorreu diversas vezes comigo e outros professores. Continuando, chateado com a forma que o motorista se dirigiu a mim lhe respondi que eu era professor e quem corria atrás de carro era outro profissional. Ao virar as costas e procurar um acento, percebi que ele resmungava e logo um colega se dirige a mim revoltado com o que acabara de ouvir: o motorista me xingou e me falou um sonoro vai tomar.... É, bem naquele lugar que você está pensando mesmo. Se este cidadão tivesse se dirigido a mim na rua eu fingiria que não tinha ouvido, mas diante de colegas de trabalho e dos alunos, isso é o cúmulo. Até que ponto a situação do professor de ensino público vai chegar? Enquanto isso, ao fundo, professores paralisados, assustados com tamanha falta de respeito pelo ser humano e profissional.
Como se não bastasse, ao chegar na entrada de mais uma localidade onde alguns alunos ficariam, ainda irritado o motorista dá uma freada brusca, quase lançando as crianças no para brisa. Por essa atitude, Questionado por uma aluna, esta vê rente diante do seu rosto o dedo deste meliante lhe dizendo agressivamente que ela falasse daquele modo com seu pai e sua mãe. Falasse de que modo? Todos viram que ela só fez uma simples pergunta e muito oportuna. Ao chegar em mais uma localidade novamente um aluno que desceria do ônibus lhe fala que ele estava muito nervoso, mas ele de modo irônico e sarcástico diz que naquele dia ele estava bom. (Imagina se não tivesse). Mas e agora, o que vai acontecer? Seus filhos e os professores continuarão reféns de situações como estas? Será que esse motorista trataria desse modo aqueles que entram em seu transporte pagando passagem? Pelo visto não, pois no mesmo dia este veículo parou na estrada para um passageiro que foi muito bem tratado. E será que se fossem filhos de algum rico o tratamento sério o mesmo? E se fosse um grupo de advogados ou médicos? Se realmente fossem esses dois últimos grupos citados não seria o mesmo ônibus que transportaria esses cidadãos, e eles seriam tratados muito, mais muito diferente. O que vimos neste transporte foi o reflexo do preconceito e da intolerância que sofre o pobre e da valorização do profissional de ensino público que, infelizmente, vem sendo a cada dia menos respeitado. De quem é a culpa? Eu me pergunto. O que será feito? Até quando? A única coisa que sei é que todos os dias eu estou na escola pra evitar que meus alunos se tornem homens como aquele motorista.