A REPRODUÇÃO HUMANA POST MORTEM E A POLÊMICA GERADA PELA AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO PRÓPRIA


*Josemar Santana

O Jornal Carta Forense, em sua edição de julho último, noticiou uma decisão da Justiça do Paraná, ocorrida recentemente e que está causando grande discussão entre os doutrinadores jurídicos brasileiros, isto é, entre os juristas especializados em direito de família e de sucessões, ou direitos de herança.

É que o juiz da 13ª Vara Cível de Curitiba, no Paraná, concedeu liminar autorizando uma professora tentar engravidar com sêmen (do latim, semente; na Biologia, esperma) congelado do marido, que morreu no mês de fevereiro deste ano.

Segundo acreditam advogados e desembargadores daquele Estado é a primeira decisão judicial brasileira sobre a reprodução humana póstuma, ou seja, após a morte da pessoa que produziu o sêmen e o deixou congelado para uma fertilização futura.

O assunto está causando muita polêmica entre os doutrinadores civis do direito brasileiro, já que a reprodução humana após a morte do produtor do sêmen é assunto muito complexo, porque espalha-se em diversas diretrizes jurídicas, a começar pela dignidade da pessoa humana.

Isso, porque “se a motivação do cônjuge restante (que sobreviveu) em gerar uma criança for para preencher o espaço deixado pelo parceiro falecido ou por motivos financeiros relacionados à herança, o filho está sendo buscado como um meio e não um fim, o que fere a dignidade do ser humano”, como bem adverte a jurista Rina Mári Furuta, autora de artigo sobre o assunto, na edição do mês de julho passado, do Jornal Carta Forense.

Convém observar que o legislador brasileiro não proibiu nem autorizou a prática da inseminação após a morte do gerador do sêmen e o Conselho Federal de Medicina (CFM), por sua vez, limitou-se a deliberar que “as clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré-embriões”, conforme estabelecido pela Resolução 1.358/92, item V.I, silenciando-se quanto aos demais.

Com isso a atuação dos operadores do direito (advogados, juízes, promotores etc.) fica demasiadamente dificultada, porque há grande ausência de norma jurídica, cuja imposição é coercitiva (obrigatória) e independe da convicção íntima do cidadão tutelado pela lei, isto é, do jurisdicionado.

Mas há outro aspecto importante em discussão provocado pela reprodução humana post mortem, que é a referente ao direito sucessório (de herança), porque a lei civil garante direitos sucessórios às “pessoas nascidas ou já concebidas (em estado de gestação)no momento da abertura da sucessão” , conforme estabelece o artigo 1.798, do Código Civil Brasileiro.

Assim, filhos gerados por meio de inseminação após a morte do gerador do sêmen não seriam herdeiros para o Direito Positivo (o Direito Civil em vigor), contrariando o princípio constitucional da igualdade entre os filhos, previsto no art. 227, § 6º, da Constituição Federal.

Para evitar que esse princípio constitucional fosse atingido, muito antes dessa decisão judicial, durante a realização da III Jornada de Direito Civil, realizada em Brasília, entre 1º e 3 de maio de 2004, foi aprovado o Enunciado nº 267, segundo o qual “a regra do art. 1.798, do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnica de reprodução humana assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submeterem às regras previstas para a petição de herança”.

Assim, o entendimento dos juristas reunidos na III Jornada de Direito Civil é o de que, “para fins de herança é preciso estabelecer limites temporais (de tempo), pois a decisão pela inseminação poderá ocorrer muito além do falecimento do pai ou da mãe, concretizando-se depois do inventário finalizado”.

Nesse caso, a partilha haverá que ser revista por ação de petição de herança – imprescindível para a maioria dos doutrinadores -, que poderá desaguar na restituição dos bens do acervo e sua conseqüente redistribuição, com todas as implicações cartorárias e fiscais.

Ma a polêmica não fica somente por aí. Estende-se sobre os diversos outros pontos, como por exemplo: 1-Qual a natureza do embrião? 2-Por não ser objeto de herança, de quem seria a titularidade do sêmen depositado na clínica de fertilização? 3-A simples autorização em formulário da própria clínica é suficiente para legitimar o procedimento? 4-Ou, o consentimento deve ser manifesto em escritura pública ou testamento?

Como se vê, a caminhada é longa. E sejam quais forem as dificuldades do caminho, importa, sobretudo, como ensinou o teólogo e filósofo suíço Hans Kung, que “deve-se avançar de uma ciência livre para outra eticamente responsável”.

Há, portanto, a necessidade de termos uma legislação urgente que trate do assunto, para acabar com as questões polêmicas existentes na atualidade.

*Josemar Santana é jornalista e advogado.
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