* Josemar Santana
Tem sido cada vez mais freqüentes os casos de acidentes de trânsito causados por motoristas que dirigem embriagados ou dirigem fazendo disputas automobilísticas em pistas urbanas que não são e não estão construídas em locais próprios para essas corridas, popularmente chamadas e conhecidas por “pegas”, ou “rachas”.
Recentemente, mais uma vítima dessa prática estúpida ocupou os noticiários da mídia nacional, ganhando espaços de destaques nos telejornais, radiojornais e jornais impressos, embalados, certamente, pelo fato da vítima ser filho de uma atriz famosa, a talentosa Ciça Guimarães, da Rede Globo de Televisão.
Diariamente, entretanto, ocorrem centenas de casos semelhantes pelo Brasil afora, que ficam no anonimato, se o condutor do veículo ou a vítima são pessoas comuns.
Sabe-se que o ato de dirigir veículo, por si só, mesmo em obediência às normas e regulamentos de trânsito, já representa certo risco. É o chamado RISCO PERMITIDO, enquanto o condutor obedece normas de conduta estabelecidas no CTB – Código de Transito Brasileiro, porque, diz o art. 1.º, § 2.º, do referido Código que “o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos””.
Entretanto, o ato de dirigir passa a ser RISCO PROIBIDO quando o condutor deixa de observar as regras protetoras da segurança pública, fazendo surgir, daí, a infração administrativa ou penal, ou ambas, porque o art. 28 do CTB, impõe que o condutor dirija o veículo com vistas à segurança coletiva, de modo a resguardar o nível de proteção da vida e da incolumidade física dos usuários das vias públicas.
Aqui no Brasil, antes do atual CTB entrar em vigor, morriam no tráfego de veículos, cerca de 40 mil pessoas por ano, somente computadas as mortes instantâneas, enquanto as pessoas lesionadas chegavam a 400 mil. Depois da edição do novo CTB, o trânsito continuou matando cerca de 30 mil pessoas por ano, lesionando cerca de 300 mil.
Em muitos casos, as mortes e lesões corporais resultam da denominada condução anormal, como ocorre nos casos de ultrapassagens perigosas, “costurar o trânsito”, contramão de direção, rachas ou pegas, passagem por sinal vermelho, zigue-zagues, velocidade excessiva, banguela, embriaguez ao volante etc.
Em artigo escrito para o Jornal Carta Forense, edição de março/2010, o jurista Damásio Evangelista de Jesus, renomado penalista de prestígio internacional, autor de várias obras jurídicas penais, declarou estar seguramente convencido de que determinados crimes de homicídio cometidos no trânsito de veículos automotores são DOLOSOS e não CULPOSOS, citando os seguintes exemplos:
1 – Um motorista, ao retirar o veículo da garagem, de ré, não verifica a presença do próprio filho, de 2 anos de idade, brincando atrás do pesado caminhão, vindo a causar-lhe a morte.
2 – Numa ladeira, um motorista se esquece de puxar o freio de estacionamento. O veículo se desloca e mata um transeunte.
3 – Um condutor, altas horas da madrugada, embriagado e dirigindo o veículo com excesso de velocidade (mais de 180 km/h), perde a direção e causa atropelamento e morte de pessoas.
4 – Um automóvel (ou uma motocicleta), num “racha” ou “pega”, dirigindo com excessiva velocidade, atropela e mata uma pessoa.
Para Damásio Evangelista de Jesus, os dois primeiros casos (da retirada do veículo da garagem e o do esquecimento de puxar o freio de estacionamento na ladeira) são casos que configuram HOMICÍDIOS CULPOSOS, enquanto os dois últimos exemplos (o que dirige embriagado e em velocidade excessiva e o que realiza “pega” ou “racha”), são casos que configuram HOMICÍDIOS DOLOSOS.
Pessoalmente concordo com o entendimento do famoso jurista, porque, todos nós sabemos, desde criança, dos perigos que acompanham os “pegas” ou “rachas” e os bêbados na direção de veículos nas ruas e estradas.
Ademais, se o indivíduo dirige o veículo de forma anormal, é claro que está ciente do risco proibido, da possibilidade concreta de causar acidente, podendo fazer vítimas. Trata-se de uma aceitação tácita, isto é, ele não explicita a sua vontade de causar o acidente, mas tem consciência que a sua atitude poderá causá-lo e, pior, fazendo vítimas.
Agindo assim, o condutor assume a prática suficiente para integrar o tipo de crime previsto no Código Penal, que se configura como HOMICÍDIO DOLOSO, ou seja, o agente quis o resultado, devendo ser levado ao Tribunal do Júri, onde será julgado.
* Josemar Santana é jornalista e advogado